Novo Programa dos Estúdios Victor Córdon que prevê um ciclo de 10 conversas conduzidas por Cristina Peres, com realização de João Afonso Vaz. As conversas são transmitidas no canal de Youtube dos Estúdios Victor Córdon e partilhadas nas redes do @camoesmaputo, um vez por mês, ao longo de 2021.
Mais informação aqui.

«Antes de o mundo ter sofrido a grande mudança que 2020 nos trouxe a nível global e quase em simultâneo, a dança já não era apenas a arte do corpo virtuoso, aéreo e indiscutível fora dos cânones que lhe emprestavam voo, mas, ao mesmo tempo, o fechavam num código que o retirava à discussão maior do corpo.

O corpo que dança abriu caminho à expressão de muitos outros corpos e a uma diversidade de experiências que criaram mistura. Encurtando a história, que é afinal recente, incluímos a palavra e a reflexão para formular de outra maneira, e em paralelo, as descobertas que os corpos nos levaram a fazer.

A imposição da distância social trouxe-nos outras possibilidades de termos ou provocarmos encontros improváveis. Deu-nos ideias sobre as perguntas que ainda não tínhamos feito, sobre a ressonância das experiências para lá do assunto tratado na altura.

Para a memória coletiva, ficaram por nomear milhares de temas que fizeram de nós as pessoas que somos hoje. Queremos saber onde está o lastro das pessoas que, no passado, fizeram as ruturas nas artes performativas portuguesas, seja essa altura há dez, há 20 ou há 30 anos. Queremos saber que pessoas são hoje e porquê. Que pessoas somos nós depois de as termos cruzado.

A dança em Portugal viajou. Foi e voltou, comparou-se. A comparação com a realidade do outro é a experiência maior e essencial para a construção de si. Em que momento descobrimos coisas melhores do que nós ao mesmo tempo que descobrimos em nós vestígios daquilo que imaginávamos ser dos outros?

A dança relaciona-se com uma multiplicidade de “camadas” das pessoas todas e, por isso, dos públicos. Poderemos estar mais habituados a recorrer à razão para discorrer sobre o que vimos num espetáculo, mas os nossos músculos “viram-nos” em simultâneo. Os músculos “falaram” sobre a experiência? Provavelmente não. Daí que as entrevistas dos EVC se vão dedicar às perguntas que nunca foram feitas a pessoas que estavam lá na altura, e estão aqui de novo. Talvez elas fossem então cabeças de cartaz, porém agora vão estar a refletir. E vão transformar os que não eram cabeças de cartaz em protagonistas da mudança que nos fez como somos.

Eu, Cristina Peres, vou fazer as perguntas e levar as pessoas a questionarem-se. Eu estava lá há dez, 20, 30 anos, mas também não vi tudo. Como nunca temos a noção do presente, do passado e do futuro num só momento vamos tentar ver a marca que ficou valorizando o ser ponto de chegada. E mais ainda ser ponte para o que aí vem.

Um ou dois convidados. Um tema. Uma conversa que é destinada a viajar até onde a dança chegar. Sem limites de tempo nem de espaço, a construir uma coleção para amanhã.»

Cristina Peres
5 de janeiro de 2021

1ª Conversa - Marlene Monteiro Freitas