O tom nostálgico com que inicia "A CARTA DA MBONGA – Fragmentos Duma Vida Encalhada na Estação" faz jus a um tempo quase extinto; quando a primeira paixão durava para sempre, tempos em que ainda se escreviam cartas de amor e o comboio, internet de banda larga da época, trazia no correio as notícias do mundo lá fora, através da estação onde Salatiel se encontra com a Mbonga.
Ela promete escrever-lhe. Desde então, a carta dela será o motivo da constante peregrinação do moço à estação, peregrinação apenas interrompida com os anos de exílio cujo fito é esquecer a Mbonga _nas ruínas da casa do grego, o finado patrão. Agora Salatiel volta à estação para pôr fim à dor da falta dela. E é a partir desta que, no tempo que ele está ali, entre a manhã e a noite alta, a estória é contada.
Porque a carta ainda pode chegar, ele não precipita as coisas. Deambula por ali, revisita o passado. Uma revisitação que resulta nos fragmentos que compõem a narrativa. O carteiro, que havia testemunhado aquela espera de muitos anos, é – tirando Bobí, o cão do grego – o único que aparece por ali.
Um comboio surge fora de horas. Afinal, Salatiel pode partir em busca dela. Phêpa, o carteiro, ao ver o amigo a embarcar, deixa escapar da sua boca uma ácida sentença sobre o amor – ao longo da narrativa a palavra amor aparece apenas duas vezes, na primeira e na última página.
Para além do fugaz romance de Salatiel e Mbonga, outros casos se incluem no enredo; como o do grego, que morre na explosão do alambique ao tentar isolar a essência de perfume de eucalipto. Seu desejo era presentear a negra Júlia, a mulher secreta, que os outros viam como sua empregada.
Esta narrativa se desenvolve com revezamento de várias vozes, num tom poético e evocativo e com muito apego à terra; o texto é denso, rico e caudaloso.
O livro vai ser apresentado publicamente no Centro Cultural Português em Maputo em formato híbrido - presencial, com entrada restrita, e transmitido através das plataformas sociais (em direto), Facebook e Instagram da Alcance Editores.
17h30