
As Tertúlias Itinerantes, que promoveram o debate sobre interculturalidade no mundo de língua portuguesa, em Maputo, entre Agosto de 2016 e Março de 2020, estão de regresso à capital moçambicana neste final de ano. O Camões - Centro Cultural Português em Maputo foi, ao longo desse período, um dos espaços de acolhimento das Tertúlias Itinerantes, função que continuará a desempenhar neste aguardado regresso.
Interrompidas pela pandemia do Covid 19, as Tertúlias Itinerantes apresentaram, durante quase cinco anos, um cartaz de conversas mensais, animadas por especialistas moçambicanos, portugueses, brasileiros e italianos. Partilhando com as suas audiências conhecimento e experiência sobre temas relacionados com a complexa convivência no interior da comunidade cultural de língua portuguesa, estes especialistas abordaram questões como a coexistência entre o português e as línguas nacionais em Moçambique, a tensão entre as culturas locais e a cultura global, ou a decolonialidade nas relações interculturais neste espaço geocultural.
Com o fim da pandemia, poderemos contar com o regresso desta iniciativa já a partir deste mês de Setembro, em vários espaços culturais de Maputo, pela mão dos seus habituais promotores: Eduardo Lichuge, Lurdes Macedo, Mário Forjaz Secca e Sara Jona Laisse.
O programa deste regresso das Tertúlias Itinerantes começa a 27 de Setembro, às 18h, no Camões - Centro Cultural Português em Maputo, onde Eugénio Santana lançará o debate sobre Xico Nhoca e Nhoca Jr. e os olhares destes personagens sobre o passado e o presente. A moderação desta tertúlia estará a cargo de Sarita Monjane Henrikson.
Em Outubro, no dia 25, também às 18h00, Matilde Muocha partilhará o seu ponto de vista sobre as "Indústrias culturais e criativas em Moçambique: utopia e realidade", no Centro Cultural Guimarães Rosa. Mário Forjaz Secca fará a moderação desta tertúlia.
O cartaz deste regresso fica completo com a sua última tertúlia, a 29 de Novembro, no horário habitual das 18h., com Augusto Jone, que nos falará sobre "O ensino bilingue e a formação multicultural de professores em Moçambique". Esta última tertúlia, que decorrerá na Casa do Professor, será moderada por Aissa Mithá Isaak.
1ª sessão no Camões - CCP Maputo:
A literatura sobre a interculturalidade tem tendência de focar na relação entre povos prestando pouca atenção aos discursos, representações e práticas dentro do mesmo povo. Por isso, a partir do diálogo intercultural e intracultural procuramos compreender a construção de identidade moçambicana através de caricaturas do Xixonhoca e Nhoc Jr. Filho do Xico e quão disputado é a sua afirmação. Por um lado, entre 1975-1992, deu-se a construção da identidade nacional a partir da criação de caricatura do Xiconhoca na I República -monopartidário que, em oposição ao Homem-Novo, imponha o que não se deveria dizer, ser e fazer. Por outro, a partir de 1994, na “II República”( Ngoenha, 2006) multipartidária, deu-se (re) criação da caricatura do Nhoca Jr. Filho do Xico em oposição ao Xiconhoca. Esta ofereceu uma narrativa alternativa estabelecendo desde modo um dialogo intercultural e intracultural que através de caricaturas , resgata, reconfigura e enfrenta o discurso, representações, e práticas do Poder sem o confrontar.
Através de analise das caricaturas do Xiconhoca no jornal noticias e das do Nhoca Jr. Filho do Xico no semanário Savana observamos que o diálogo intercultural em Moçambique se deu a partir de valores exogéneos que foram apropriados e impostos a um contexto cultural heterogéneo e como este foi reconfigurado para expor o paradoxo dos “santos de ontem são o diabo de hoje”.
Estes processos de reconfiguração do poder através de caricaturas expõem dois aspetos que cozem esta apresentação. Primeiro, que a “ideoscape”- refere-se às ideias, símbolos e narrativas que se espalharam pelo mundo- Homem Novo, no caso, a ideia identidade nacional alicerçada no Xiconhoca feita a partir de migrações de ideias exteriores a nossa realidade cultural. Segundo, que na II República a caricatura foi reconfigurada a partir de realidade local para desafiar os valores do poder dos criadores do Xiconhoca sem o confrontar tendo o Nhoca Jr. Filho de Xico assumido o papel de critica.
O nosso dialogo intercultural intracultural tendo como objeto as caricaturas se desenrola no confronto de ideias que se queriam universal- Xiconhoca em alternidade com as que emergem localmente – Nhoca Jr. Filho do Xico.
Eugénio Pinto Santana:
Antropólogo pela Universidade Nova de Lisboa, Membro da Associação Europeia de Antropologia Social-EASA. Chefe do Departamento do Desenvolvimento Artístico Cultural do MICULTUR. Director do FICA- Festival Imigrante, Cultura e Arte (Maputo), (2020)
Docente na ECA (2009-2023) e ISarC (2010)
SANTANA, Eugénio, SITOE, David ( 2021) Iº Mapeamento das Indústrias Culturais e Criativas em Moçambique, MICULTUR
SANTANA, Eugénio Et Al (2019) “New Emigration and Portuguese Society Transnationalism and Return” in PEREIRA, Cláudia e AZEVEDO (org) New and Old Route of Portuguese Emigration, SpringerOpen (IMISCOE Research Series)
SANTANA, Eugénio; FERREIRA, Barbara; MALHEIRO, Jorge e RAIMUNDO, Inês (2016) “A actual emigração portuguesa para Moçambique: identidades complexas no quadro de um movimento Norte -Sul em contexto pós–colonial” in PEIXOTO et. Al (org) Regresso ao Futuro. A nova Emigração portuguesa e Sociedade, Lisboa: Grádiva
SANTANA, Eugénio (2011) La representazione del "satirico" nel Mozambico indipendente: "xiconhoca" e "Nhoca Jr filho do Xico" nei giornali <Noticias> e <Savana> in BUSSOTI, Lucas, NGOENHA, Severino (cord) Le Grandi figures Dell Africa Lusofona Idee, protaginisti e rappresentazioni. Udine: Aviani & Aviani
SANTANA, Eugénio (2011) Moçambicanidades disputadas. Ciclo de festa da Independência e da comunidade moçambicana em Lisboa. Lisboa: fim de século
SANTANA, Eugénio, RAMON, Sara e (2010) Relatório sobre Musical Education Souther Africa Project em Moçambique, International jouness of Music,