Campo Experimental: Ângela Ferreira em colaboração com Alda Costa tem lugar no Museu Nacional de Arte (MUSART), em Maputo, sendo a primeira exposição individual de Ângela Ferreira numa instituição pública em Moçambique. A exposição explora pesquisas materiais e ambientais realizadas nos primeiros anos da independência do país (1975) envolvendo diferentes frentes de trabalho. O título da exposição refere-se especificamente ao nome de um espaço de aprendizagem agrícola mantido no campus da Universidade Eduardo Mondlane, a partir de 1976, onde funcionários, investigadores e estudantes trabalharam em conjunto para produzir alimentos, conceber ferramentas e estruturas, e formar agricultores, camponeses e técnicos comunitários. Este local experimental foi coordenado pelo Centro de Estudos TBARN (Técnicas Básicas de Aproveitamento de Recursos Naturais/Técnicas Básicas no Aproveitamento Racional da Natureza), um grupo alargado de pesquisa formado nos primeiros anos da revolução pós-independência, para, entre diversas outras acções, melhorar a produção e a qualidade de vida dos agricultores com recursos mínimos. Ferreira baseia-se nos vestígios visuais e textuais do TBARN para revelar o espírito revolucionário que fez de Moçambique um centro global de experimentação radical na década de 1970 e no início da década de 1980.

O projecto expande a prática de investigação de Ferreira e a sua procura pela contemporaneidade do passado. Campo Experimental emerge do diálogo contínuo da artista com Alda Costa, historiadora de arte e trabalhadora cultural moçambicana cuja experiência vivida durante o período da revolução socialista pós-independência e anos seguintes bem como os estudos posteriores a tornam memória viva de um momento incomparável na história cultural. Na exposição, objectos históricos do acervo pessoal de Costa são expostos ao lado da obra de Ferreira. O design destes objetos destaca a priorização das condições materiais na vanguarda da produção cultural dos primeiros anos de Moçambique independente. Essas características acentuam a estética do TBARN presente em toda a exposição: do uso multifuncional de materiais simples, a ênfase nas formas angulares dos objectos destinados a uso pragmático e as cores vibrantes nas paredes, baseadas no panfleto informativo produzido pela universidade (Queimadas, 1977). Ferreira enfatiza o carácter experimental do TBARN ao transformar algumas estruturas desenvolvidas na época em objectos estritamente estéticos—o pensamento estético torna-se um método produtivo para reimaginar aspectos da vida rural sob um novo modelo de colectividade.

Originalmente aberta no espaço de arte contemporânea Rialto6, em Lisboa, a exposição chega a Maputo num formato expandido: inclui vídeos do músico Scúru Fitchádu numa performance encomendada para a exposição, fotografias de Kok Nam do campus experimental do TBARN, e imagens usadas por Ferreira no processo da criação dos seus trabalhos. Outras obras referentes a Moçambique foram incluídas na exposição nesta versão apresentada no MUSART, incluindo For Mozambique (2008), exposta pela primeira vez no país. Através de um diálogo entre vozes e temporalidades diversas, os trabalhos de Ferreira investigam histórias que expressam simultaneamente pragmatismo político e ludicidade criativa, sendo simultaneamente enraizados localmente e de alcance internacional.

Álvaro Luís Lima e Paula Nascimento

Biografia da Artista

Ângela Ferreira, nasceu em 1958 em Maputo, Moçambique, cresceu na África do Sul, onde obteve o grau de mestre na Michaelis School of Fine Art, University of Cape Town. Vive e trabalha em Lisboa, onde obteve o Doutoramento, em 2016. Acredita numa educação como contribuição política para a sociedade e continua a lecionar em Portugal (Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa) e em Moçambique.

Ferreira desenvolve a sua prática multidisciplinar em torno do impacto do colonialismo e pós-colonialismo na sociedade contemporânea, as investigações são conduzidas por uma pesquisa profunda e pelo filtrar de ideias que conduzem a formas concisas, depuradas e evocativas. A contribuição da sua prática artística debruça-se na construção de uma discussão artística decolonial sólida e não-panfletária. As suas referências focam material de arquivo e frequentemente triangulam entre os três países que fazem parte da sua história pessoal: Africa do Sul, Moçambique e Portugal, como por exemplo em Zip Zap Circus School (2000-2024). Os seus trabalhos mais recentes relevam uma construção positiva da identidade Africana. As suas homenagens escultóricas, sonoras e videográficas têm continuamente referenciado a história económica, política e cultural do continente africano ao recuperar a imagem e obra de algumas figuras inesperadas como Peter Blum, Carlos Cardoso, Ingrid Jonker, Jimi Hendrix, Jorge dos Santos, Diego Rivera, Miriam Makeba, Jorge Ben Jor, Angela Davis, Forough Farrokzhad, Gustav Klucis e a historiadora moçambicana Alda Costa.

Representou Portugal na 52ª Bienal de Veneza em 2007, onde continuou as suas investigações sobre a forma como o modernismo europeu se adaptou, ou não, às realidades do continente africano traçando a história da ‘Maison Tropicale’ de Jean Prouvé.  É ainda a arquitetura que serve de ponto de partida para a o aprofundamento da sua longa pesquisa em torno do apagamento da memória colonial e a recusa da reparação, que encontra a sua mais complexa materialização na obra A Tendency to Forget (2015) focando o trabalho etnográfico do casal Jorge e Margot Dias. Pan African Unity Mural (2018), exibido no Maat Lisboa e no Bildmuseet, Suécia. Além da sua própria trajetória, outras histórias biográficas são simultaneamente narradas, expostas e escondidas neste trabalho. Em Dalaba: Sol’Exil (2019) um trabalho focado em Miriam Makeba, uma das mais proeminentes figuras contra o apartheid, Ferreira cria várias esculturas baseadas em elementos arquitetónicos da casa de exílio onde Makeba viveu em Conakri, quase como um protótipo da relação entre o modernismo e a arquitetura vernacular Africana. Rádio Voz da Liberdade (2022) presta homenagem ao papel essencial das estações de rádio na disseminação da luta pela independência em todo o mundo, como a estação de rádio portuguesa Rádio Voz da Liberdade, que funcionava nas instalações da RTA Radio Diffusion Television Algerienne entre 1962 e 1974, até à queda do regime ditatorial do Estado Novo. Um momento raro em que uma estação de rádio africana apoia a libertação de um país europeu. O projeto Campo Experimental (2024) presta tributo ao trabalho visionário de um grupo de investigação em Moçambique - TBARN (Técnicas Básicas de Aproveitamento de Recursos Naturais) – creditando também o impulso autoral da historiadora moçambicana Alda Costa.

DOS SEUS TRABALHOS RECENTES DESTACAM-SE:

Talk Tower For Miriam Makeba (2024); Campo Experimental (2024); Klucis goes to Algeria (2023); Rádio Voz da Liberdade (2022); Realistic Manifesto (Gabo´s Fundamental Principles of Constructivist Practice) (2022); Mais Pesado que o Céu (2021);  #BucketsystemMustFall (2021); A Spontaneous Tour of Some Monuments of African Architecture (2021); Talk Tower for Forough Farrokhzad (2020); 1 Million Roses for Angela Davis (2020); Rugby (2020); Dalaba: Sol d’Exil (2019); Pan African Unity Mural (2018);Talk Tower for Diego Rivera (2017); Wattle and Daub (2016); A Tendency to Forget (2015); Independence Cha Cha (2014); Mount Mabu (2013); Talk Tower for Ingrid Jonker (2012); Stone Free (2012); Collapsing Structures/ Talking Buildings (2012); Cape Sonnets (2010/2012); For Mozambique (2008). Maison Tropicale (2007).

3a - 6a feira 9h-18h Sábado e Domingo 9h-17h